Com empreendedorismo, mães refugiadas encontram caminho para reconstruir suas vidas no Brasil

Em 2016, a venezuelana Clara Ruiz, com apenas 21 anos, tomou uma decisão corajosa: pôr fim a um relacionamento abusivo e buscar um recomeço para ela e seus dois filhos pequenos no Brasil. Passou por inúmeros desafios e uma jornada cheia de obstáculos, mas descobriu uma paixão: a gastronomia. Era a oportunidade que tinha de sustentar a família e cuidar das crianças, já que era a única provedora e cuidadora.

Para aprimorar suas habilidades em gastronomia e empreendedorismo, buscou diversos cursos, participando em 2020 do projeto Mujeres Fuertes, uma iniciativa conjunta da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), associação Hermanitos e Ministério Público do Trabalho (MPT-AM/RR). Assim, fundou um empreendimento para a venda de hambúrgueres artesanais.

“Quando cheguei ao Brasil, não tinha nada, só uma bolsa e meus dois filhos. Agora, toda vez que abro minha hamburgueria para trabalhar, me sinto feliz, porque alcancei meu objetivo: abrir meu próprio negócio para cuidar dos meus filhos e também poder trabalhar e ganhar dinheiro”, celebra Clara.

Clara faz parte da Plataforma Refugiados Empreendedores, na qual as mulheres lideram 57% dos empreendimentos listados, sendo que a grande maioria delas é mãe e encontra no empreendedorismo uma alternativa para conciliar a maternidade e uma atividade econômica. Com mais de três anos, a iniciativa do ACNUR e do Pacto Global da ONU – Rede Brasil apoia mais de 165 empreendimentos.

“Uma pesquisa com empresários e empresárias da plataforma mostrou que, para 69% deles, o empreendimento representa a principal fonte de sustento de suas famílias. Isso demonstra como o empreendedorismo é importante para garantir autonomia financeira, inclusão socioeconômica e dignidade para as pessoas deslocadas à força, especialmente as mães, muitas delas chefiam sozinhas suas famílias”, explica o Oficial de Meios de Vida e Inclusão Econômica do ACNUR, Paulo Sérgio Almeida.

Buscar um caminho para criar os filhos e ter uma renda também foi a motivação da empreendedora Rahaf Hussein. Nascida na Síria de família palestina, Rahaf vive há sete anos no Brasil, onde encontrou asilo fugindo do conflito que assola o país. “Era muito difícil na Síria, pois não tínhamos escola, internet e energia elétrica”, conta.
No Brasil, casou-se e teve dois filhos. Para apoiar no sustento da família, decidiu empreender com o bordado palestino, técnica que aprendeu com sua mãe quando ainda era bem jovem. Assim, há quatro anos, Rahaf criou um empreendimento para comercializar suas peças, como bolsas, quadros e marcadores de páginas. O nome, Yafa Artes, é uma homenagem à filha e faz referência a uma antiga cidade palestina. “Esse nome está muito perto do meu coração”, diz Rahaf.

Quando perguntada sobre o que planeja para o futuro, a resposta é direta: “Eu só quero uma vida melhor para meus filhos, porque antes, na Síria, tinha muito medo e guerras”.

A gerente de Direitos Humanos e Trabalho do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, Gabriela Rozman, afirma que as mães empreendedoras refugiadas enfrentam obstáculos específicos e merecem ser valorizadas. “Elas precisam ser reconhecidas e podem fazer parte da cadeia de fornecedoras de grandes empresas, por exemplo. Para essa e outras ações, são necessárias políticas públicas e ferramentas de apoio para essas mulheres”.

Filhos são a grande motivação
Quando ainda morava na Venezuela, a empreendedora Nelarys Lanz precisava encontrar uma forma de ganhar dinheiro, mas sem descuidar do filho mais velho, com Síndrome de Down. Usou suas habilidades na cozinha e começou a vender doces e tortas, sempre acompanhada do primogênito. Com a morte dele, enfrentou um período muito difícil e de luto. E o recomeço veio em terras brasileiras.

Ela fundou o Nela’s Cakes, focado em bolos personalizados. Nelarys vive em Curitiba e o salto de seu empreendimento aconteceu em 2023, quando sua receita de torta Três Leites, muito tradicional na Venezuela, viralizou nas redes sociais. Assim, acumulou mais de 100 mil seguidores no Instagram e lançou um curso online para ensinar a famosa receita. Além de Gastronomia, ela conta que o objetivo é reforçar o empoderamento e autoestima de mulheres e mães, como ela.

“Tudo o que faço é pelos meus filhos, a que mora na Argentina, o que mora comigo e o outro que está no céu. Eles são a minha força. Quando a gente tem foco, tem constância e fé, tudo dá certo”, resume.
Nelarys também contou com o apoio do Banco Pérola, parceiro do ACNUR no programa CrediTodos de concessão de microcrédito a empreendedores refugiados e migrantes. Com o empréstimo, conseguiu comprar equipamentos para melhorar seu negócio no Brasil e também teve recursos para lidar com as dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19.

Sobre a plataforma Refugiados Empreendedores
A plataforma Refugiados Empreendedores é uma iniciativa do ACNUR e do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e tem como objetivo divulgar e dar visibilidade a empreendimentos liderados por pessoas refugiadas no país, além de apoiar capacitações e outras oportunidades de formação e de divulgação de seus negócios.

Criada em fevereiro de 2021, a plataforma atualmente conta com 165 negócios listados. São 15 nacionalidades que integram a plataforma, sendo que a maioria dos empreendimentos é de pessoas venezuelanas (73%). Há empreendimentos distribuídos em 40 cidades e 17 estados e no Distrito Federal.

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